sábado, junho 16, 2007

Quem tem medo de Greenspan?

O que faz de Alan Greenspan, um pacato ex-saxofonista de 81 anos, tão poderoso a ponto de abalar os mercados financeiros globais de tempos em tempos? Ele já deixou a presidência do Fed, o banco central dos Estados Unidos, há 16 meses. E só aparece em eventos fechados para convidados de empresas dispostas a pagar US$ 150 mil por sua palestra. É o mesmo cachê de Bill Clinton, um orador indiscutivelmente mais interessante e carismático. A diferença é que as palavras de Greenspan sempre vazam da platéia para as mesas de operações das corretoras e bancos ao redor do planeta, causando frisson nas bolsas de valores de centenas de países, Brasil inclusive.

Na terça-feira 12, aconteceu de novo: seus comentários pessimistas sobre a economia mundial e a Bolsa da China reforçaram o mau humor dos mercados. Em Nova York, o índice Dow Jones caiu 0,97% e o S&P 500 cedeu 1,07%. Em São Paulo, o Ibovespa recuou 1,86%. Greenspan não disse nada demais, nem revelou algo que ninguém esperava. Falou o óbvio mais uma vez - a fartura de dinheiro global "não vai durar para sempre" e o crescimento da China "não pode continuar indefinidamente" - e, mesmo assim, foi levado tão a sério a ponto de reforçar a busca dos investidores por ativos de menor risco, principalmente os títulos do Tesouro dos Estados Unidos. Mesmo sem o poder de apertar os botões da taxa de juros americana (talvez a variável econômica mais determinante no fluxo internacional de capitais), o pessimista Greenspan mostrou que atrai mais atenção do que seu sucessor no Fed, Ben Bernanke, o otimista de plantão. Faz sentido.

Nos 18 anos em que trabalhou no Fed, Greenspan construiu uma sólida reputação. Embora sujeito a críticas, comandou a política monetária com maestria em períodos de crise e de bonança. Foi um dos primeiros economistas a perceber o fenômeno da Nova Economia, em que os avanços tecnológicos da informática permitem ganhos de produtividade das empresas fundamentais para a estabilidade dos preços. Assim, pôde usar os juros para promover o desenvolvimento do país, em vez de coibi-lo além da conta para controlar a inflação, como acontece no Brasil. Cinco anos antes do estouro da bolha da internet, no começo deste século, ele já falava em "exuberância irracional" das Bolsas. Errou no timing, mas deixou o Fed como um mito vivo. "Greenspan tem muita credibilidade", diz Luiz Fernando Figueiredo, sócio da Mauá Investimentos e ex-diretor do Banco Central. "Por isso influencia os mercados."

Nos velhos tempos, Greenspan falava de forma cifrada para confundir seus interlocutores. Todos tentavam adivinhar o que ele dizia nas entrelinhas dos discursos, numa tentativa natural de antecipar-se aos movimentos do Fed para ganhar milhões de dólares antes dos outros. Hoje, ele não só diz claramente o que pensa - chegou a pronunciar a palavra maldita (recessão) para descrever o que poderá acontecer com a economia americana no segundo semestre - como ganha fortunas antes de trabalhar. Recebeu, da editora Penguin Books, US$ 8,5 milhões para escrever seu livro de memórias, no segundo maior cachê da história das biografias (o primeiro foi Clinton, US$ 10 milhões). O lançamento de "The Age of Turbulence: Adventures in a New World" ("A Era da Turbulência: Aventuras num Mundo Novo", em tradução livre) será em setembro. Se depender dele, as turbulências não vão passar tão cedo. Existe marketing melhor para um livro do que um autor capaz de mover trilhões de dólares em poucos minutos?

"[A ALTA DA BOLSA NA CHINA] É CLARAMENTE INSUSTENTÁVEL. EM ALGUM MOMENTO HAVERÁ UMA CONTRAÇÃO DRAMÁTICA" (23/05/2007

Reportagem de Milton Gaez, publicado na revista "Isto É Dinheiro", de 16-06-07

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